Moradores de um terreno ocupado na região do Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo, montaram uma barreira em frente ao local por volta das 7h desta segunda-feira (24) para tentar impedir uma reintegração de posse no local.
por Rafael Sampaio – Carta Maior
SÃO PAULO – A chamada política de “limpeza social” no centro de São Paulo, que nos últimos dois anos foi protagonizada pela prefeitura municipal e pela subprefeitura da Sé, acaba de ser estendida à periferia, e ganha mais um personagem: o prefeito Gilberto Kassab (PFL-SP). Ele assumiu o lugar do recém-empossado governador José Serra no time dos que querem os pobres longe das áreas ricas da cidade.
“A prefeitura é a maior responsável pelos pedidos de reintegração de posse nas favelas da cidade”, afirma o defensor público Carlos Henrique Loureiro, referindo-se às ações que acompanha. São pelo menos cinco casos em que a prefeitura pediu o despejo e a Defensoria interveio. Um exemplo que está sendo estudado pela Defensoria para uma futura intervenção é a favela do Moinho, localizada entre as linhas de trem de Francisco Morato e Itapevi. Habitada por quase duas mil pessoas, a favela fica na região central da cidade, e quase foi despejada em outubro do ano passado por um decreto de desapropriação expedido pelo secretário das Subprefeituras, Andrea Matarazzo.
O decreto, que foi arquivado, alega que há riscos para os moradores da favela, devido à proximidade com os trilhos do trem e pela suposta presença de substâncias explosivas no subsolo. Apesar da desapropriação ter sido negada pela Justiça, há outro processo feito pela prefeitura, que entrou com uma ação civil pública contra os donos do terreno para que eles expulsem os moradores da área, usando os mesmos argumentos.
“Uma parte pequena da favela está localizada nas margens do trem”, argumenta a advogada Anna Claudia Vazzoler, que acompanha o caso e admite que os moradores deste trecho correm risco de acidentes. “Mas o terreno da região do Moinho é grande, e permite que seja feita uma reurbanização ou a construção de conjuntos habitacionais, para abrigar todos os moradores sem risco algum”, diz ela.
Não há comprovação de que existam substâncias explosivas na área. Segundo Anna, a prefeitura elaborou um laudo sem base técnica, feito a partir de depoimentos, em que a culpa das explosões é atribuída às ligações elétricas clandestinas, e não às ditas substâncias.
Para a advogada, falta vontade política da prefeitura, que mudou pouco desde a transição de poder entre Serra e Kassab. “Pela prática de Andrea Matarazzo na prefeitura, creio que ele não hesitaria em expulsar essas famílias”, diz ela, que coordena o setor jurídico do Escritório Modelo da Pontifica Universidade Católica (PUC-SP). Anna trabalha para entrar com o pedido de regularização fundiária da favela na Justiça até fevereiro. “Reunimos documentos e cartas que provam que há 15 anos atrás já havia gente na favela do Moinho”, relata.
O ex-secretário de Habitação, Paulo Teixeira (PT-SP), afirma que a reintegração de posse em cortiços e favelas com mais de cinco anos de existência é inconstitucional. “O Estatuto da Cidade garante o direito de posse aos moradores, e eles podem pedir usucapião”, argumenta. Entretanto, Teixeira não é favorável à permanência das pessoas na favela do Moinho. Ele, que é vereador em São Paulo, considera aquela região como “inadequada para a vida” e sugere que os moradores sejam reassentados em um lugar melhor e passem a receber bolsa-aluguel.
A infra-estrutura da favela do Moinho, de fato, é precária. Não há saneamento, nem sistema de esgoto ou pavimentação. A energia elétrica e a água encanada vêm de ligações clandestinas e as casas são feitas de madeira. “Há um prédio abandonado, que um dia foi uma indústria e hoje se tornou uma ocupação”, lamenta Anna. “Mas a prefeitura não faz nada, só insiste com o despejo, ao invés de remanejar as famílias”. Segundo ela, há um plano de urbanização criado durante a gestão de Marta Suplicy na prefeitura, que não foi levado adiante.
Cheque-despejo
Uma prática comum da prefeitura é indenizar as famílias despejadas com um pagamento no valor de R$ 5 mil. Para o defensor público Carlos Loureiro, o benefício estimula a ocupação ilegal de terrenos na cidade, porque não é suficiente para comprar um novo imóvel nem para suprir o aluguel de uma nova residência.
Ele explica que a prefeitura arma um círculo vicioso com esse dinheiro. “O valor é muito baixo para comprar um imóvel regularizado. Então quando o morador de um terreno ilegal é despejado, ele usa o dinheiro para conseguir vaga em uma outra favela, ou num cortiço”, argumenta o advogado.
“Este dinheiro é um meio que a prefeitura encontrou para maquiar sua atuação nos despejos”, diz Loureiro. Ao invés de passar como truculenta, a prefeitura acaba sendo vista com gratidão pelos moradores das favelas, quando recebem o pagamento. O defensor é incisivo: “Isso acontece porque a prefeitura é incapaz de fazer uma política de habitação social decente”.
De acordo com o orçamento da Secretaria Municipal de Habitação, cerca de 65% do que foi estipulado para moradia popular em 2006 acabou de fato sendo executado. Dos R$ 18 milhões orçados para a execução de mutirões para moradia popular, apenas R$ 7,6 milhões foram pagos até outubro, o equivalente a 42%. Alguns investimentos sequer chegaram a ser feitos, como é o caso de um convênio com a União, que previa R$ 50 mil para a construção de habitações de interesse social, as chamadas casas populares. Nada foi investido.
“É uma vergonha verificar que, desde que a gestão PSDB-PFL assumiu, o investimento no setor habitacional tem caído ano após ano”, afirma o defensor. Ainda segundo o orçamento da Secretaria, dos R$ 389 milhões inicialmente estipulados para todos os projetos da pasta, sejam eles de interesse popular ou não, somente R$ 208 milhões foram executados, o que representa em torno de 62,5% do investimento total.
Primeiro arrancaram-os do seu continente;
Mas já faz tempo, há que se relevar
Depois arrancaram a sua dignidade;
Mas tudo bem, não tiveram indenização mas não mais eram escravos
Depois os arrancaram da cidade e das casas de tijolo e bem-acabadas;
Mas tudo bem, terrenos existem aos montes por aí
Depois, outros foram arrancados de suas terras com suas hortas;
Mas não há problema, tem São Paulo, tem o Rio, tem o sul rico
Depois foram arrancados das suas favelas, redutos últimos;
Até quando relevarão?
Antigamente quilombos, hoje favelas; antigamente capitães-do-mato e canhões, hoje PMs e tratores.
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Famílias continuam acampadas no Capão Redondo
27/08 – 20:21
Três dias depois da operação de reintegração de posse de um terreno de 33 mil metros quadrados no Capão Redondo, na zona sul da capital paulista, cerca de 400 pessoas despejadas da área continuam acampadas na Rua Ana Aslan, em frente do local onde estavam os 800 barracos que foram demolidos. “A Prefeitura disse que nos daria um atendimento emergencial, mas, até agora, nada”, critica Felícia Mendes Dias, moradora da região e representante da Organização Não Governamental Frente de Luta por Moradia.
Do total de famílias despejadas da área na segunda-feira – numa ação que contou com a participação de 250 agentes, parte deles da Tropa de Choque e do 37º Batalhão da Polícia Militar, além de bombeiros -, cem pessoas, segundo Felícia, estão abrigadas em uma igreja evangélica nas redondezas.
A Subprefeitura de Campo Limpo informa, por meio de sua assessoria de imprensa, que a administração municipal estava dando assistência social às famílias, como o fornecimento de cestas básicas, colchões e cobertores. “Onde vamos guardar cobertores ou esquentar comida sendo que não temos mais casa?”, questiona Felícia.
A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) enviou e-mail à reportagem, no qual informa que “está estudando as possibilidades para um futuro atendimento habitacional definitivo para as famílias”. Essa promessa já havia sido feita na terça-feira passada pelo assessor da presidência da CDHU, Antônio Lajarin, durante visita ao local.
A decisão de reintegração de posse do terreno, de propriedade da Viação Campo Limpo, foi emitida após recurso impetrado pela empresa no Tribunal de Justiça. Houve confronto entre moradores e a polícia. Pneus e automóveis foram incendiados para dificultar a entrada dos policiais.
O saldo do confronto foi três pessoas detidas, moradores atingidos por balas de borracha e um policial atropelado.
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