Na última semana, entre as diversas atividades organizadas pelo Grêmio dos estudantes da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) para a recepção aos novos estudantes que chegaram à faculdade, aconteceu uma visita para discutir o “corredor das humanas”. O corredor das humanas foi um projeto pensado por uma série de arquitetos modernos para o campus da Cidade Universitária na década de 60, no período de efervescência cultural que antecedeu o golpe militar de 1964.
Arquitetos como Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha e Carlos Milan pensavam um conjunto de edifícios como um grande eixo estruturador na USP, que reuniria todos os prédios das “humanidades”. Os saberes seriam integrados pelos grandes vãos, criando um único caminho que atravessava e ligava todos os prédios. A universidade era pensada por esses arquitetos como um espaço do livre saber. Eles projetaram grandes bibliotecas, teatros, museus, espaços estudantis, e amplos salões vazios para serem ocupados por atos, assembléias, festas, debates e o que mais a própria comunidade universitária desejasse; sem barreiras entre as atividades, entre as áreas do conhecimento, em espaços amplos e abertos a todos, contra a frangmentação da academia, a universidade enquanto TERRITÓRIO LIVRE.
A visita começou na FAU, que além da História/Geografia foi o único edifício construído dentro desse projeto libertário de universidade, e que por isso mesmo incomoda tanto a burocracia dirigente da universidade, que vive fechando, loteando e mutilando o edifício. O prédio da FAU sempre foi ocupado por festas, shows, debates, assembléias. Os espaços livres de Artigas abrigam os mais variados usos, uma universidade para além das salas de aula.
Depois da FAU os estudantes chegaram aos prédios da Letras e da Sociais/Filosofia, que deixam clara a negação total do projeto do corredor das humanas pela ditadura militar. São edifícios construídos para serem “provisórios”, e que parecem projetados para evitar atividades estudantis: sem vãos livres; sem comunicação entre os espaços; todos emparedados; com poucos acessos; feitos apenas de corredores, saletas e salas de aula. A impossibilidade total das aglomerações.
Hoje, apesar do fim da ditadura, a arquitetura libertária de 60 está sendo substituída pela arquitetura do shopping. A principal obra de arquitetura na USP em 2006 foi a construção, ao lado do prédio-shopping da FEA, de uma praça de bancos. E para dar espaço à privatização da universidade as Reitorias e Diretorias têm aumentado violentamente a repressão, retirando direitos e liberdades estudantis que vão desde a liberdade de colar cartazes e fazer festas até o direito aos espaços estudantis.
Na FAU, o piso do museu, espaço designado aos estudantes no projeto de Artigas está ameaçado. O piso, que sempre abrigou as atividades livres dos estudantes; desde debates sobre o ensino, a arquitetura e a cidade até mostras de filmes, exposições, festas; e sempre possibilitou a livre produção dos estudantes, como publicações, cartazes, música, teatro, cinema, pode ser retirado. O projeto da burocracia é transformar o piso do museu em um espaço capaz de abrigar grandes exposições internacionais, emparedado, envidraçado e climatizado.
Na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) a ameaça aos espaços estudantis é ainda mais concreta. Na calourada de 2007 os estudantes derrubaram a jaula que o diretor Gabriel Cohn havia construído para fechar o porão, espaço onde os estudantes organizavam festas, passavam filmes e faziam reuniões. Um ano depois da derrubada da jaula, Gabriel Cohn concretou, nos feriados do final do ano, o espaço estudantil. Simplesmente construiu uma laje de concreto impossibilitando o acesso ao porão. Agora, a Diretoria da FFLCH está gastando mais de R$ 10 milhões para remendar com puxadinhos os prédios da ditadura, mantendo as mesmas características espaciais e ainda retirando os espaços estudantis existentes.
Ao final da visita os estudantes da FAU foram até os prédios do CRUSP (Conjunto Residencial da USP), construído também na década de 60. Em seu projeto original, a marquise que liga os blocos de habitação dos estudantes era prolongada por um passeio subterrâneo para chegar ao corredor das humanas, completando aquele projeto, em que a vida e produção dos estudantes se relacionavam diretamente.
Diante da barbárie dos projetos atuais na universidade, em que a burocracia acadêmica mantém (ou piora!) os espaços da ditadura, a retomada do corredor das humanas coloca a necessidade dos estudantes se organizarem contra a universidade-shopping, por um novo projeto libertário de universidade, a universidade da maioria, o território livre.